Temos acompanhado, quase que diariamente em notícias pelo mundo, como os eventos climáticos extremos, o esgotamento dos recursos naturais, a perda de biodiversidade e florestas, o aquecimento dos oceanos e outros alarmes exigem uma reorientação dos modelos econômicos globais. Nesse cenário, a economia circular deveria surgir como uma alternativa viável ao business as usual linear de ‘extração, produção, uso e descarte’. No entanto, o cenário que se apresenta no recém-publicado Circularity Gap Report (CGR) 2025 traz um diagnóstico preocupante: o mundo não apenas falha em acelerar a transição, mas demonstra retrocesso com os índices globais de circularidade em declínio – de 7,2% em 2018 para 6,9% nos dados mais recentes, e a extração de materiais virgens crescendo e chegando a patamares insustentáveis, ultrapassando 100 bilhões de toneladas anuais. Esta realidade impõe um desafio gigantesco a todos, inclusive a nós no Brasil, que conseguimos aprovar no último dia 8 de maio o Plano Nacional de Economia Circular (PlaNEC).
A situação da geração e gestão de resíduos no Brasil não é diferente do cenário global e ainda pode ser um agravante. Apesar da existência da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que foi discutida por mais de 20 anos e colocada em prática somente em agosto de 2010, o país finge não ver e convive com o grave problema de descaso e da má destinação de resíduos. Passados mais de 14 anos desde sua aprovação, com prazo de adequação original para os municípios encerrarem seus lixões até 2014, depois escalonados até 2021 pela Lei de 2017, o Brasil ainda destina cerca de 39% do total de Resíduos Sólidos Urbanos (aproximadamente 87 mil toneladas diárias em 2021, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento-SNIS) para lixões e aterros controlados. Mais da metade dos municípios brasileiros simplesmente não cumpriu os prazos legais. Essa destinação errada e irresponsável representa a perda de bilhões em materiais com potencial de reciclagem e reuso e perpetuam a dependência de recursos virgens.
Os problemas de governança e a atuação (ou inação) do Estado são centrais para compreender o fracasso na implementação da PNRS e, consequentemente, os gigantescos desafios que o PlaNEC enfrentará. A PNRS nasceu com prazos que se mostraram politicamente ambiciosos, mas por outro lado estruturalmente frágeis. A falta de recursos financeiros, capacitação técnica e interesse político nos municípios, a desarticulação entre as diferentes esferas de governo e os setores econômicos, a baixa efetividade da fiscalização e a ausência de continuidade nas políticas públicas e de punição aos responsáveis criaram o ambiente propício ao não cumprimento das metas. A experiência com a PNRS mais uma vez escancara que a mera existência de uma lei ou plano não garante sua implementação; é preciso um arcabouço de governança robusto, investimento contínuo e, principalmente, vontade política e comprometimento.
O PlaNEC, estruturada em cinco eixos – Inovação e Tecnologia, Educação e Conscientização, Coordenação Intersetorial, Incentivos Econômicos e Infraestrutura e Logística, estabelece os caminhos para avançar, mas seu sucesso dependerá principalmente da capacidade dos envolvidos em aprender com os erros da PNRS. Os eixos do PlaNEC são alinhados com as alavancas de mudança apontadas pelo CGR 2025 – desde a necessidade de inovação para otimizar o uso de materiais, a importância da coordenação entre seus atores, até a infraestrutura necessária para gerenciar fluxos. Sua implementação efetiva e seu sucesso exigirão uma governança que vá além os governos e se estabeleça como política de Estado, com metas claras, indicadores de desempenho transparentes e rigorosos mecanismos de responsabilização.
Poderíamos esperar que a PlaNEC fosse um instrumento efetivo de transformação? Com governança forte e articulada que garantisse a colaboração entre governo, setor privado e sociedade civil? Podemos esperar investimentos significativos e contínuos em infraestrutura, tecnologia e capacitação? O Brasil pode se tornar um modelo de transição para outras economias?
Ou será que a PlaNEC replicará os mesmos gargalos da PNRS? Com coordenação intersetorial frágil e incentivos econômicos insuficientes? Com falta de fiscalização e comprometimento dos atores participantes?
A transição para uma economia circular não é ‘uma boa ideia’, é uma necessidade e o PlaNEC oferece o respaldo legal para essa evolução do Brasil. Mas a experiência com a PNRS serve como um grande exemplo de que só a intenção legislativa não é suficiente se não houver uma implementação robusta, transparente e persistente. Superar os problemas crônicos de governança e garantir uma atuação estatal eficaz e coordenada são os verdadeiros desafios para que o PlaNEC não se torne apenas mais um plano no papel, mas um vetor real de desenvolvimento sustentável para o país.
Para ler na íntegra o relatório Circularity Gap Report (CGR) 2025 acesse https://www.circle-economy.com/