Um dos critérios da novíssima norma ABNT PR 2030 ESG é o ‘Combate ao trabalho forçado ou compulsório’ que faz parte do tema Direitos Humanos do eixo Social. Durante as discussões na Comissão Especial de Estudo, formada pela ABNT para a construção do texto final desta norma, falamos muito sobre o contexto e exemplos de práticas que podem ajudar as organizações a prevenirem que situações de trabalho degradante aconteçam nas suas próprias atividades ou em sua cadeia de valor, como também discutimos bastante sobre o título do critério se deveria ou não conter as palavras ‘análogo’ e ‘escravo’.
O inconsciente coletivo tem a imagem da escravidão formada em sua mente – negros africanos, seminus, senzala, açoite, correntes, pelourinho (não o das festas em Salvador, mas o local de castigo público), navios negreiros, amas de leite e tantas outras memórias que trazemos dos livros de história, das novelas e filmes. Só que essas figuras mentais da escravidão do Brasil colônia não foram atualizadas para o que acontece hoje em pleno século XXI, e isso pode muitas vezes criar confusão. Quando o grande púbico assiste a uma reportagem que noticia que mais de 200 trabalhadores foram resgatados de trabalho análogo ao escravo no Rio grande do Sul, percebem na reportagem que eles não eram negros africanos que vieram em navios, que não estavam seminus, mas vestiam camisetas com estampa, calça, tênis e nem foram acorrentados ou açoitados em praça pública.
Do Brasil colônia, da abolição da escravatura até hoje, tivemos muita evolução nas legislações quem regem as condições de trabalho no país, assim como a criação de normas internacionais como a Convenção Sobre o Trabalho Forçado da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que apesar de ser de 1930 (há quase um século) ainda não é muito conhecida por empresários, políticos e, infelizmente, pelos próprios trabalhadores. Quando um vereador de Caxias do Sul – RS, brada em plenário “querem faxineira, querem ficar em hotel 5 estrelas” ou “o povo baiano só sabe viver na praia batendo tambor”, demonstra não só sua xenofobia contra os baianos e nordestinos em geral (“o povo lá de cima”), mas também contra os argentinos, que talvez se sujeitem às mesmas condições e no final ‘agradecem’. Só que o mais importante aqui é a demonstração claríssima que este membro do LEGISLATIVO municipal não tem absolutamente nenhum conhecimento das leis, regras e normas nacionais e internacionais que estão em vigor.
A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório foi identificada pela OIT como um dos direitos fundamentais do trabalho e se refere a “todo trabalho ou serviço que é exigido de qualquer pessoa sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual essa pessoa não se voluntaria”. O trabalho forçado não é apenas uma grave violação de um direito humano fundamental, mas também uma das principais causas da pobreza e um obstáculo para o desenvolvimento econômico.
Quando pensamos em nossas organizações, nossos locais de trabalho, poucas vezes identificamos logo de cara situações que poderiam ser classificadas neste contexto. Só que se não estivermos atualizados e atentos à legislação, às regras do nosso setor de atuação, às normas nacionais e internacionais podemos estar sujeitos a um contexto que pode nos pegar desprevenidos e, mesmo que não apareça em destaque na mídia, pode trazer consequências como passivos trabalhistas, multas ou processos. Às vezes são situações do dia a dia que podem parecer corriqueiras como “essa semana vamos ter que ficar até mais tarde produzindo para conseguir atender ao pedido do cliente, mas todos que ficarem vão receber um ‘extra por fora’ se conseguirmos entregar no prazo”, ou “você vai cumprir 30 dias de experiência na produção e se demonstrar que sabe fazer o trabalho, te contratamos”. Apesar de já termos
ouvido falar, presenciado ou até vivido situações como essas, elas são sérias violações e têm suas consequências.
Tão importante quanto estarmos atentos às nossas atividades internas, precisamos acompanhar de perto como trabalham nossos parceiros comerciais, fornecedores e terceirizados que fazem parte da nossa cadeia de valor, muitas vezes de forma direta, e podem impactar profundamente nossa organização. O terceirizado de mão de obra contratado pelas vinícolas no Rio Grande do Sul em 2023 é parte integrante do processo produtivo delas, argumentar desconhecer, fazer vista grossa porque é mais barato ou publicar ‘nota de repúdio’ após acontecido não eximirão a responsabilidade das contratantes, que sofreram as consequências legais e de mercado de suas ações.
Para incorporarmos o ESG na veia, precisamos estar vigilantes, precisamos entender que prover trabalho digno, obedecendo as regras e leis, cuidando das pessoas, criando condições para que todos produzam mais e melhor porque estão satisfeitas com seu trabalho, porque se sentem respeitadas em seu ambiente produtivo trazendo resultados muito melhores no curto, médio e, principalmente, longo prazo. O respeito aos direitos humanos, à dignidade da pessoa e de seu trabalho, o conhecimento e cumprimento das regras de seu setor de atuação são fundamentais para que qualquer organização possa estar em constante evolução em sua jornada ESG.